Sobre leões feridos e a síndrome de Aquiles

Alberto Fernando Becker Pinto

Publicada em 06/06/2020 - Revista Expansão

Nestes últimos 15 anos, perdi as contas de em quantas encrencas nos metemos junto dos clientes, trabalhando na gestão de crises, deles e das suas empresas. Embora parte do trabalho seja eminentemente técnica, a atuação está muito longe de ser uma ciência exata. Especialmente em tempos como estes em que vivemos, para os quais nenhum manual de boas práticas oferece todas as respostas. Salvo as guerras, ninguém viu nada parecido com este cenário complexo, duro, incerto.

As crises – e as empresas – são obras humanas, vivenciadas por pessoas com sentimentos, fragilidades e angústias profundas. Sempre entendi que nosso trabalho técnico era dar o aconselhamento, a direção, fazer o enfrentamento. Mas era parte do trabalho, ainda, ajudar as pessoas a lidar com tudo o que estava acontecendo, respeitando o sofrimento, as dúvidas e, por vezes, até o pânico de poderosos, de líderes de empresas e organizações consagradas.

Visivelmente, o fardo de ser encarregado da liderança, de ser responsável pelo destino de muitos, pode ser imensuravelmente pesado. E, não raro, as cobranças para que ele seja forte, somadas à pressão interna, parecem esquecer de algo elementar: eles também são pessoas. Sempre achei fascinante esta parte do trabalho, pois entendia compreendia que era um certo privilégio ver de perto figuras que eram tão admiráveis, realizadoras de tantos feitos, e que, ao mesmo tempo, eram humanas, falíveis, como nós. Em todo caso, os via como leões feridos.Podiam estar sob efeito de um tranquilizante, momentaneamente fragilizados, mas seguiam sendo leões, com sua força e imponência. Nossa missão era deixa-los fortes novamente.

Alguns sofrem mais ainda, pela chamada síndrome de Aquiles -personagem da mitologia grega, general vitorioso e que ficou conhecido por sua única derrota. Estemal só atinge os vencedores, alvejando-o no seu único ponto fraco. Qual a lição disso? Apesar de todas as glórias e méritos, Aquiles só foi derrotado porque não sabia que “tinha um calcanhar de Aquiles”.

Por estes dias tão difíceis, escrevo para levar uma palavra amiga aos leões que me leem. Um afago na juba! A dificuldade é grande, mas é passageira, para quem fizer a coisa certa. Aquiles nos ensina que, reconhecer uma fragilidade – mesmo momentânea – e agir para protege-la, pode ser o começo da virada. Meu conselho é: proteja seu calcanhar, não espere que o governo ou os outros o façam. Vocês vão superar tudo! Com arranhões, algumas feridas mais profundas, possivelmente. Porém, seguirão os reis da selva, com todo seu esplendor.

Sobre leões feridos e a síndrome de Aquiles